A luz é uma personagem ambígua no universo do vinho. Ela desempenha dois papéis bem distintos: de um lado, é vital para o crescimento da videira e do outro é completamente nociva para a vida do vinho finalizado. Mas enfim, quais são os efeitos da luz sobre o vinho?
Escrito por Paula Daidone - Sommelière e especialista em marketing de vinhos
A seguir, vamos entender como a luz pode influenciar o vinho de maneiras tão opostas, na vinha e na garrafa.
A importância da luz no vinhedo
A exposição ao sol é crucial para o desenvolvimento da uva. A radiação solar é a fonte de energia para a fotossíntese e para a evapotranspiração (perda de água do solo por evaporação e a perda de água da planta por transpiração).
O tempo de exposição solar anual e a absorção da radiação solar são fatores que influenciam no ciclo vegetativo da videira, nas fases de desenvolvimento da baga e na maturação da uva. A videira necessita de exposição solar diária mínima de seis horas e de temperatura superior a 10ºC, durante a estação de crescimento, para que as uvas amadureçam.
Sem exposição solar mínima, as uvas não desenvolvem açúcar suficiente e, com isso, serão muito ácidas. Essa fruta produzirá vinhos adstringentes, com taninos verdes e com baixo teor alcoólico. Já a exposição exagerada ao sol pode queimar a fruta e levar ao desenvolvimento excessivo de açúcar. O resultado são vinhos desequilibrados, com falta de acidez e muito álcool.
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Excesso de sol também pode causar queimadura na fruta, ocasionando rachaduras na casca. Essas cicatrizes são tecidos mortos e nenhuma antocianina e polifenóis conseguem se desenvolver. Quando a radiação solar incidente, torna-se bastante elevada, e a coloração da baga sofre alteração. No caso de cultivares brancas, a cor verde pode se tornar amarelada, restringindo a sua utilização.
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Aqui no Brasil, a colheita da uva, na maioria das regiões produtoras, acontece no verão, época em que há incidência exagerada de luz solar. O calor excessivo pode desestruturar o equilíbrio entre acidez e açúcar. Por isso, muitos produtores recorrem à vindima noturna. A colheita acontece durante a madrugada, quando o clima ainda está mais ameno e não há exposição à luz solar.
A incidência de solar no campo é tão importante, que vinhedos com exposição adequada tem o hectare e o quilo da uva mais caro. Isso se agrava em regiões de clima frio, pois há “briga” para conseguir um pedaço de terra que tenha luz e temperatura adequada para a maturação da uva. A Borgonha, na França, é um excelente exemplo. Os famosos Grand Crus são parcelas de terra que possuem exposição solar adequada para a maturação perfeita das uvas Pinot Noir e Chardonnay.
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A luz e o armazenamento do vinho
Quando se trata do vinho finalizado, a luz tem efeito nocivo. Ela pode reorganizar os compostos químicos da bebida, como o oxigênio e a temperatura, e causar defeitos. Um dos problemas mais comuns e perceptíveis, é o aroma de ovo podre ou fósforo aceso. Caso você sinta esse cheiro ao abrir a garrafa, provavelmente o vinho foi armazenado de maneira incorreta.
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Toda e qualquer luz interfere no vinho. Umas mais e outras menos, dependendo da intensidade e da duração da exposição. A luz solar, a iluminação elétrica fluorescente e ultravioleta são as mais nocivas para o vinho. A luz de led é a que causa menor impacto no produto.
A melhor opção é a lâmpada de led regulável, ela emite calor mínimo e pode ter o brilho reduzido quando necessário. Ainda assim, é aconselhável deixar a luz a uma distância superior a 40 cm das garrafas e não deixá-las por muito tempo expostas à intensidade máxima da lâmpada. Luzes tradicionais, mesmo quando não estão em contato direto com o vinho, aquecem o ambiente e o aumento da temperatura pode “cozinhar” o vinho.
A melhor coisa que você pode fazer para proteger seus vinhos é armazená-los em um ambiente escuro e com temperatura controlada. Lembre-se de sempre deixar as garrafas longe de janelas e portas, para não sofrerem com a incidência de luz solar direta ou do calor que o sol causa no local.
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A luz e a cor do vidro da garrafa
A cor do vidro da garrafa também pode retardar ou acelerar o processo de falhas do vinho. Garrafa escura cria uma leve barreira contra a luz. Diferente de garrafas transparentes, que deixam a bebida totalmente exposta.
Um jeito de driblar isso é mantendo os vinhos em caixas de papelão ou madeira, ou embrulhar a garrafa em um papel opaco, que impeça o contato direto da luz com o líquido. Isso não quer dizer que você poderá deixar o vinho sob à luz, apenas que dessa forma você está criando uma barreira protetora.
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Segundo estudo da American Society of Brewing Chemistry, após 200 horas de exposição em uma loja, um vinho em garrafa transparente começa a apresentar defeitos. O estudo mostra que garrafas transparentes colocadas a 35 centímetros de distância de duas lâmpadas fluorescentes de 40 watts, apresentam alteração nos aromas em cerca de 3,5 horas. Já nas garrafas escuras, são necessárias cerca de 20 a 30 horas de exposição para identificar alguma alteração na bebida.
Embora todos os tipos de vinho sejam afetados pela luz, os mais leves estão mais suscetíveis a apresentarem problemas. Justamente são os vinhos brancos e rosés, que são leves e com pouca estrutura, que são engarrafados em vidro transparente. Os tintos absorvem mais radiação da exposição aos raios UV, mas também têm uma maior concentração de taninos que minimizam o impacto desta exposição.
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